O Fisco e o Cidadão

Após cinco anos sem fiscalização, o contribuinte tem sua empresa invadida por um ou mais fiscais que se apossam de documentos empresariais e particulares. Passado o susto inicial, pois a ação fiscalizatória poderia perfeitamente ser tomada por um assalto ou um seqüestro, o contribuinte pode passar longos meses atendendo os pedidos para apresentação de documentos aos fiscais. Estes, nem sempre preparados para uma verdadeira auditoria, não raramente substituem a capacidade técnica pela truculência amplamente respaldada nas leis que lhes dá amplos poderes e na tradição confiscatória que nos foi legado pela Coroa Portuguesa.

Quando se pensa em fiscalização em nossa História, o que nos vem à lembrança? A Derrama. Aquela ação terrorista de Estado se mantém viva em nossas tradições.

Deixar uma empresa sem fiscalização durante cinco anos e, de repente, despencar uma fiscalização sobre ela sem qualquer aviso prévio, dando-lhe 3 dias para reunir os documentos de cinco anos e depois durante meses fiscalizar-se a empresa não é muito diferente da derrama. E, nem se fale sobre a prática da corrupção que aparece freqüentemente no noticiário, nos "flagrantes".

Muitas vezes o empresário que não sonegou impostos é multado em vultosas quantias pelo não cumprimento de obrigações acessórias ( aquelas mil e uma guias e formulários que deve preencher e entregar em prazos rígidos ao longo do ano).

?Pois bem, um Senador da República, o Sr. Jorge Bonhausen, de larga tradição conservadora apresentou um projeto de Lei ao Senado que, se aprovado, revolucionará os métodos truculentos do Estado brasileiro no trato com os contribuintes.

O jornal o Estado de São Paulo assinala corretamente que "o projeto procura defender os cidadãos do arbítrio e dos excessos cometidos pelos Fiscos municipais, estaduais e federal. Assim, por exemplo, proíbe que o Fisco feche estabelecimentos ou que use força policial nas diligências, salvo com autorização judicial. Estabelece um prazo de 90 dias para as diligências do fisco nas empresas e um prazo de 30 dias para as decisões nos processos. Isso é bom para acabar com certas fiscalizações intermináveis que, muitas vezes, prejudicam de maneira irreversível a produção das empresas..." (OESP - Editorial 08/11/99).

O projeto de 53 artigos busca disciplinar o poder de tributação do Estado e sua relação com os contribuintes. Segue a linha da Constituição Federal de 1988 no sentido de permitir uma certa transparência na fixação dos impostos: "A legalidade da instituição do tributo pressupõe a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência (...) e somente a lei (...) pode estabelecer a antecipação do prazo para recolhimento do tributo, a alteração de condições que, de qualquer forma, onerem o contribuinte, bem como a estipulação de requisitos que modifiquem os meios ou modo operacionais de apuração de débito tributário..."

Acaba com o famoso revogue-se as disposições em contrário, ao estabelecer que "as leis, regulamentos e demais normas que modifiquem matéria tributaria indicarão, expressamente, as que estejam sendo revogadas ou alteradas, identificando, com clareza, o assunto, a alteração e os objetivos destas."

Inverte-se o "contribuinte deve, até prova em contrário", declarando com todas as letras que presume-se a boa fé do contribuinte até que a Administração Fazendária prove o contrário. Retira-se da autoridade fiscal qualquer poder de cobrar tributos extra-judicialmente através de meios coercitivos, tais como a interdição do estabelecimento, a proibição de transacionar com entidades públicas e bancos ou a imposição de sanções fiscais. A autoridade deve provar, judicialmente se for o caso, que o contribuinte deve, se quiser lhe cobrar alguma coisa.

Ao contrário do que ocorre hoje, o código proposto obriga a Administração Fazendária a assegurar aos contribuintes o pleno acesso às informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribua.

Há um capítulo inteiro sobre os direitos do contribuinte. O projeto assegura que o contribuinte será tratado com urbanidade pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; identificar o servidor de repartição fazendária; receber protocolo de entrega de documentos, livros e mercadorias à fiscalização. Estabelece procedimentos para esclarecimentos, requerimentos, notificações em que passa a haver prazo e responsabilidade de resposta por parte das autoridades fazendárias.

O projeto prevê as responsabilidades das autoridades fazendárias, restringindo de um modo geral o uso da força, da truculência, da "surpresa" contra o contribuinte. Este passa a ter amplo direito de defesa e não mais lhe será negada certidão negativa quando tiver seus débitos parcelados ou quando questione algum débito judicialmente.

A aprovação desse projeto de lei representará uma conquista democrática muito semelhante ao que representou a adoção do Código de Defesa do Consumidor.

(a íntegra do projeto pode ser obtida no site www.pfl.org.br )

(Data de referência - 07/06/2000 - Consultor Fiscal)

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