A Lei de Responsabilidade Fiscal e os Conselhos Profissionais

A advogada Dra. Sylvia Helena Terra especialista em Direito Público, elaborou um parecer sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal para o CFESS Conselho Federal de Serviço Social ao qual presta assessoria jurídica. Embora dirigido àquele Conselho, o parecer tem uma abrangência muito mais ampla. Com a permissão da Dra. Terra divulgamos em Consultorfiscal esta peça que certamente será de grande utilidade para dirigentes e profissionais da área.

São Paulo, 06 de junho de 2000.

PARECER JURÍDICO 14 / 00

ASSUNTO :

Alcance e abrangência da Lei de Responsabilidade Fiscal em relação aos órgãos de fiscalização do exercício profissional.

ORIGEM: CFESS e CRESS da 9a. Região

Fomos instados pelo D. Conselho Federal de Serviço Social, a analisar os termos consubstanciados na Lei Complementar n.101 ,que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, que entrou em vigor, tão somente, em 05 de maio de 2000, com sua publicação no Diário Oficial da União.

Em fevereiro do corrente ano , quando ainda tramitava o projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal e, portanto, não estava tal Lei em vigor, o CRESS da 9a. Região já havia solicitado orientação do CFESS quanto ao alcance da lei em comento, em relação aos Conselhos de Fiscalização Profissional , mormente no que tange ao aspecto destes só poderem comprometer com a folha de pagamento dos funcionários, até 60% ( sessenta por cento ) de sua receita.

Assim, com o advento da Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal , e passando esta a surtir seus regulares efeitos de direito, podemos ,agora, conforme solicita o CFESS, proceder a análise de seus termos com vistas a verificar se as disposições ali contidas abrangem e alcançam e, consequentemente, obrigam ao seu cumprimento, aos órgãos de fiscalização do exercício profissional.

Vale, considerar "ab initio", que conforme princípio definido no parágrafo primeiro do artigo primeiro da Lei em questão a responsabilidade fiscal na gestão da coisa pública, pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

Prevenir riscos e corrigir desvios, na gestão pública, é elemento que emerge como um dever , para aqueles investidos do poder de administrar e, tal condição deve ser efetivada, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receita e despesa e obediência aos limites e critérios estabelecidos pela lei.

Quanto a abrangência da Lei Complementar No. 101/2000 os parágrafos 2o. e 3o. do mesmo artigo 1o. se incumbiram de especificar , expressamente, quais entidades e órgãos que se subordinam ao seu regime, da forma a seguir reproduzida:

"Parágrafo 2o. - As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo 3o. - Nas referências:

I- à União , aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos:

b- as respectivas administrações diretas, fundos, AUTARQUIAS, fundações e empresas estatais"

( destaque nosso).

Portanto, estão obrigados a cumprir a lei em comento as autarquias criadas pela União, ou seja as autarquias federais, mesmo que, como é o caso dos órgãos de fiscalização do exercício profissional, não possuam qualquer subordinação ou vinculação com o Estado.

Pois bem, os órgãos de fiscalização do exercício profissional, por força da concessão de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta perante o Supremo Tribunal Federal pelo Partido dos Trabalhadores e outros, contra o Presidente da República voltaram a se constituir como autarquias federais e, consequentemente, dotados de personalidade jurídica de direito público, em razão da suspensão cautelar dos efeitos do artigo 58 e seus parágrafos da Lei 9649/98.

Até decisão final de mérito, a ser prolatada pelo E. Supremo Tribunal, os Conselhos Profissionais deverão, assim, se adequar as medidas que envolvam as entidades da administração indireta, dentre elas as autarquias.

Nesta medida, não há como deixar de concluir que o Conselho Federal e os Regionais de Serviço Social deverão cumprir os termos da Lei

Complementar No. 101 de 04 de maio de 2000 , no que couber, ou seja naquilo que é pertinente as autarquias de fiscalização do exercício profissional.

Aliás é bom lembrar que os Conselhos de Fiscalização já vêm procedendo e realizando toda sua contabilidade, seu orçamento; sua prestação de contas; seu planejamento e administração financeira e outros, nos moldes da administração Pública Federal e, no nosso entendimento, tais procedimentos devem ser mantidos integralmente, eis que adequados às autarquias.

Consideramos, ademais, que os Órgãos de Fiscalização do Exercício Profissional não estão sujeitos a elaboração e apresentação de projeto de lei para aprovação de suas diretrizes orçamentárias ou de seu orçamento anual, como prevê a Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal, eis que sendo autarquias federais possuem autonomia administrativa e financeira, para execução de seu orçamento no que tange a sua receita e despesa o que deve, evidentemente, estar em absoluta consonância com a suas atribuições legais e com princípios e normas do direito público.

Desta forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal alcança os Conselhos de Fiscalização Profissional - muito mais - quanto aos seus princípios, uma vez que vários procedimentos, ali inscritos, não lhes são aplicáveis.

Vejamos então, dentre outros, quais são os princípios que devem ser, no nosso entendimento, adotados pelos Conselhos, eis que obrigatórios , segundo a Lei em questão:

1- Previsão e efetiva arrecadação - ( art. 11 ) - É requisito essencial, senão imprescindível, da responsabilidade na gestão fiscal, a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência do órgão respectivo. É bom lembrar que as anuidades, que constituem quase que a única fonte de receita dos Conselhos de Fiscalização, são previstas por lei, possuem caráter compulsório, cobradas mediante atividade administrativa, destinadas a consecução da finalidade pública de tais órgãos.

Desta forma é obrigatório a instituição, a previsão e a arrecadação da receita dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social.

A Lei 8662/93, se incumbiu de prever em seu artigo 13o., e conferir legalidade a contribuição compulsória, paga pelos assistentes sociais inscritos perante os CRESS. De outra sorte, tal anuidade é instituída pelo CFESS, através de Resolução, com base e fundamento nas deliberações do Encontro Nacional CFESS/CRESS, oportunidade, em que se define seu limite máximo e mínimo e as condições, descontos e prazos para seu pagamento. A definição do patamar mínimo e máximo da anuidade, é feita a partir da conjugação de vários elementos, quais sejam: conjunturais, econômicos e da necessidade real de arrecadação, para fazer face as despesas, decorrentes do exercício das funções e atribuições e atividades que serão desempenhadas e realizadas pelo CFESS e pelos CRESS.

Quanto a previsão da receita, é incumbência de cada Conselho, com base na estimativa dos recebimentos, bem como no índice de inadimplência. Portanto, a previsão de receita é elemento de alta relevância a possibilitar a elaboração do orçamento e, consequentemente, das despesas que serão efetivadas pela administração no exercício seguinte.

Porém, não basta, tão somente, prever a receita, é necessário arrecadá-la, efetivamente, de forma a possibilitar e garantir que o Conselho desempenhe adequadamente sua funções e atribuições e, dentre elas a de fiscalizar o exercício profissional do assistente social.

2- Geração da Despesa - ( art.15 ) - Conforme disposição da Lei Complementar em questão, serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração, criação, expansão ou aperfeiçoamento de qualquer ação, que acarrete em aumento de despesa ou assunção de obrigação que não atendam aos seguintes critérios:

I- estimativa do impacto orçamentário - financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II- declaração do ordenador de despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira, ou seja, objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício. E, declaração de que o aumento tem compatibilidade com o orçamento previsto para o exercício subsequente, e que está em consonância com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas estabelecidas neste mesmo instrumento.

Tais normas constituem condição prévia para o empenho de qualquer despesa; licitação de serviços, de fornecimento de bens ou execução de obras.

3- Despesa Obrigatória de Caráter Continuado - ( art. 17 ) A Lei Complementar considera obrigatória e de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou de ato administrativo normativo, que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

Os atos que criarem ou aumentarem despesa obrigatória e de caráter continuado deverão ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário - financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes e, demonstrar a origem dos recursos para o seu custeio.

O ato administrativo deverá, ainda, ser acompanhado de comprovação de que a despesa obrigatória criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais, devendo, seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

4- Despesa com Pessoal - ( art. 18 ) - Com fundamento na Lei Complementar, entendemos que a despesa total com pessoal, no âmbito dos órgãos de fiscalização do exercício profissional, abrange os seguintes itens: o somatório dos gastos com cargos, funções ou empregos, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens fixas e variáveis, subsídios, adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas às entidades da previdência.

Estabelece a Lei em comento que a despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos 11 (onze) imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.

Atendendo ao comando da norma consubstanciada no artigo 169 da Constituição da República Federativa do Brasil, o artigo 19 e seus incisos, do texto legal em análise, veio estabelecer que a despesa total com pessoal, em cada período de apuração, e em cada ente da federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, da forma a seguir especificada:

I- União : 50 % ( cinqüenta por cento );

II- Estados : 60% ( sessenta por cento );

III- Municípios : 60% ( sessenta por cento ).

Consideramos, portanto, que sendo os Órgãos de Fiscalização do Exercício Profissional, autarquias federais - incluindo o Conselho Federal e os Regionais - estariam evidentemente, abrangidos na obrigação prevista pelo inciso I do artigo 19 da lei Complementar n. 101/2000, quanto a não exceder a 50 % ( cinqüenta por cento ) de sua receita corrente líquida, com despesas total com pessoal.

Vale esclarecer que na verificação do atendimento dos limites definidos pelo artigo 19 da Lei Complementar, não serão computados, dentre outras, as seguintes despesas:

I - Indenização por demissão de servidores ou empregados;

II- Relativas a incentivos à demissão voluntária;

III- Decorrentes de decisão judicial;

IV- Decorrentes da competência de período anterior ao da apuração realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores;

5- Controle da Despesa Total com Pessoal - ( art. 21 ) - A Lei Complementar estabelece que é nulo de pleno direito o ato que provoque aumento de despesa com pessoal e não atenda as suas exigências ou que resulte de aumento da despesa com pessoal, através de ato expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo órgão.

Prevê, ainda, a lei que na hipótese da despesa total com pessoal exceder a 95% ( noventa e cinco por cento ) do limite estabelecido ficam vedados ao poder ou ao órgão praticar atos, dentre aqueles arrolados, que impliquem na concessão de vantagem, aumento reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual. Ficará, também, impedido de criar emprego ou função; alterar a estrutura que implique aumento de despesas; contratar horas extras, ou admitir ou contratar pessoal a qualquer título.

Nesta situação a Lei Complementar autoriza a extinção de cargos e funções ou redução dos valores a eles atribuídos. Faculta, outrossim, a redução temporária da jornada de trabalho, com a adequação dos vencimentos à nova carga horária, conforme disposição do parágrafo 2o. do seu artigo 23.

Caso não venha ser alcançada a redução no prazo estabelecido, e

enquanto perdurar o excesso na despesa havida com pessoal o órgão não poderá receber transferências voluntárias; obter garantia direta ou indireta de outra entidade, contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem a redução das despesas com pessoal.

6- Destinação de Recursos Públicos para o Setor Privado - (art. 26) A destinação de recursos para cobrir necessidades ou déficit de pessoas físicas ou jurídicas do setor privado, segundo expressamente previsto pela Lei Complementar em análise, deve ser autorizada por lei específica, atender as condições estabelecidas na Proposta Orçamentária ou em seus créditos adicionais.

Tal disposição aplica-se, conforme expressamente previsto pelo inciso primeiro do artigo 26 da Lei Complementar, a todos os órgãos que compõem a administração indireta, incluindo, por pressuposto as autarquias.

7- Restos a Pagar - ( art. 42 ) - É vedado ao titular dos órgãos ou entidades públicas, que compõem a administração direta ou indireta, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação que implique em despesa que não possa ser cumprida integralmente, dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Para determinar a disponibilidade do caixa serão considerados, dentre outros os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

8- Escrituração e Consolidação das Contas - ( art. 50 ) A contabilidade e a escrituração das contas do Conselho Federal e dos Regionais de Serviço Social , é realizada nos moldes da contabilidade pública federal conforme, inclusive, determina o artigo 62 da Resolução CFESS n. 376/98 que veio instituir o Estatuto do Conjunto CFESS/CRESS. Porém, para além de obedecer tais normas, a Lei Complementar No. 101/2000, estabelece que a Contabilidade e escrituração das contas públicas, observará, dentre outros, os seguintes procedimentos:

I- a disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de forma que os recursos vinculados ao órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada;

II - a despesa e assunção de compromisso serão registrados segundo o regime de competência, apurando-se em caráter complementar , o resultados dos fluxos financeiros pelo regime de caixa;

III- as operações de crédito, as inscrições em restos a pagar e as demais formas de financiamento ou assunção de compromissos junto a terceiros, deverão ser escrituradas de modo a evidenciar o montante e a variação da dívida pública no período, detalhando, pelo menos, a natureza e o tipo de credor.

Evidentemente que não esgotamos, nem de longe, o conteúdo de todas as normas legais previstas na Lei Complementar n. 101/2000, destacando aquelas que entendemos relevantes aos órgãos de fiscalização do exercício profissional, em face a sua aplicação imediata e, que subsidiarão as ações administrativas / financeiras praticadas por esses Conselhos.

Submetemos o presente parecer a apreciação e deliberação do Conselho Pleno do CFESS e, caso aprovado, opino pela remessa de cópia a todos os CRESS.

Entendemos que, em face a natureza contábil das normas previstas pela Lei Complementar, a matéria deva ser encaminhada ao assessor contábil deste órgão para o exame das disposições contábeis, ali previstas, e inclusão destas às normas administrativas internas, naquilo que ainda, não tiver sido objeto de previsão, e que for de âmbito de atribuição dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional.

s.m.j.

é o parecer

 Sylvia Helena Terra

Assessora Jurídica do CFESS

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